por que custamos em não
aceitar o óbvio?
Fui para o dicionário ver a denotação de uma palavra que me
confronta nos momentos de dores crônicas do ego. O sentido que me atraiu foi o
da elevação. Quando uma relação não anda boa faz tempo, nem é preciso diálogo e
questionamentos intermináveis. É só olhar em volta, desacelerar o passo e ouvir os burbulhos do
vulcão do ressentimento do companheiro ao lado.
Entendi que não é
preciso muito esforço para perceber o óbvio que muitas vezes custamos
acreditar. Em uma amizade é comum a aproximação por uma comodidade. Alguém que
tenha um tempo a mais para ouvir seus lamentos, conversar com seus
fantasmas, te levar a um passeio ou te ajudar a empilhar os discos antigos que
ganhou na infância, numa tarde chata de sábado. Você entende, retribui com o
que sabe e imagina que na mente dele está tudo numa boa.
Eis o fatídico engano. A convivência é saudável, mas como
todo investimento, uma amizade também traz riscos. E o primeiro deles é de ser
mal interpretado. Embora haja verdade da sua parte, para o outro suas atitudes
de uma hora para outra podem valer menos que 50 centavos. Triste, mas acontece.
E procuramos entender onde foi que o outro fez a ideia errada do seu eu certo.
Todos, cada uma em uma medida e etapa distinta da vida,
aprende a ouvir e ajudar o próximo. Alguns retribuem seu companheirismo mais
rápido. Outros talvez nunca vão agradecer. E você segue quebrando um galho,
rindo junto, oras cedendo e se impondo.
Acostumamos o amigo a sempre ter o nosso melhor e nos sentimos confortados
quando ele nos acolhe.
O maior entrave é quando esse amigo do peito fez você se
tornar possessão dele, ou uma espécie de propriedade exclusiva. Suas amizades
antigas não são bem vistas e o que serve agora são os contatos e a história
dele. Vive-se uma espécie de ostracismo dois.
Tive uma experiência parecida quando comecei a frequentar
novamente a casa de uma grande amiga que me conhece desde a infância. Sempre
bem receptiva e pronta para ouvir e até dar roupas novas que nunca tinha usado.
Em uma época passava o dia todo lá. Convivia de verdade. Conheci os pontos
fracos e sua austeridade.
Chegamos a participar de grupos religiosos no mesmo lugar.
Ela me acolheu antes que caísse em uma depressão profunda. Saí desse universo melindroso
sem a ajuda dos remédios. Agradeci muito a ela. Mas chegou um tempo que percebi
que a tamanha proteção gerou um laço de moralismo e controle que era colocado
em minhas faculdades mentais.
Após discussões dolorosas e dos vulcões em ebulição entre
nós, fui concluindo que não valeria a pena depositar tanto tempo e disposição
em uma relação doada, porém cobrada. É paradoxal rotular assim, mas faz sentido
quando um das partes publica seus
defeitos e joga as latrinas existenciais no ventilador das redes sociais
depois de um momento de insatisfação.
Procura-se repaginar atitudes por esta pessoa. Pensamos duas
vezes e lembramos do passado dela dito por quem a conhecia antes. Evidenciamos
através do discurso daquele circulo de amigos que agregamos. E então
constatamos que a verdade em segundo plano, a dura realidade insana daquele
amigo nunca deixou de existir.
Fato é que o prestígio desaparece e o desamor toma conta da
cena em que a reciprocidade sem mágoas poderia habitar. Pensamos na angústia
dele mas já não somos mais capazes de agir com tamanho altruísmo e deixamos o
compasso da existência ditar o ritmo dessa relação.