sábado, 22 de maio de 2010

O cartão de visita

A primeira vista, a garota encostada no pé da escada estava dormindo, pescando, ou querendo esquecer que tinha acabado de levar uma bota do garoto de cabelo arrepiado, o último cara que ela tentou ficar naquela noite.
Mônica não chamava atenção naquele inferninho underground da rua Augusta. Usava a melissa prateada que parcelou em três vezes no cartão, uma calça jeans agarrada e um coletinho à David Bowie por cima da blusa branca. Não estava cafona. Era uma boa roupa para aquilo que seus amigos chamavam de balada. Às três e meia da madrugada, Mônica não aquentava mais dançar o som corno do Placebo. Joana, a amiga sensei inseparável, deixou a baixinha de lado e foi pra roda de Skol que estava bem mais interessante do que ver Mônica babar.

A garota da sapatilha brilhante estava lá. Sentada de baixo da caixa de som encostada na parede. Não queria a atenção de ninguém. Nem água, nem cerveja, nem comanda vip. Mônica estava num sono profundo, parecia um coma alcoólico. Do outro lado da pista, Gianfrancesco, um loiro narigudo de all-star laranja olhava Mônica dormir a noite toda. Ele continuou em pé. Com a fadinha verde na mão e olhando para o rosto semi-acabado, porém feliz, de Mônica. E diferente de muitos garotos dali, não flertou com ninguém a noite toda.

O moço do all-star laranja não merece tanto mérito assim. Ele foi embora antes do show do Bonde do Rolê terminar. Mas ele queria Mônica, beijá-la, conhecê-la, comê-la, enfim, a queria. Mas antes que tudo terminasse em olhares e vontades não satisfeitas, o cara do all-star laranja deixou com Joana um cartão de visita dele. Gianfrancesco, de família rica, publicitário, dono de um Tucson e uma Ecosport, desejava ver a lucidez da garota de melissa prata em uma ligação. Gianfrancesco era simpático, inteligente, com dentes lindos e com cara de que mandava bem na cama. Quando recebeu o cartão de Joana ao acordar, ela pensou que poderia valer a pena, embora a atitude de gente feia, como Mônica disse, pudesse desanima-la.

Às seis da manhã voltava pra casa. Pra ela, a noite foi definitivamente uma merda. O bonde do Rolê mais parecia o bonde do tigrão disfarçado de banda de rock. O sapato novo apertou, fez calo, e o colete brilhante ficou nojeto depois do porre. Mas além dos impercalços, Mônica mancando, na medida do possível, foi com toda a pressa que tinha para descobrir se o garoto dos seus sonhos poderia ser o suposto feio que lhe deu um cartão.

domingo, 16 de maio de 2010

Trailer do filme Quanto Dura o Amor

É ela

- Jair, boa noite?
-Boa noite Jair, é a Kathia, tudo bom? Posso confirmar a sua presença na coletiva de imprensa amanha às 9, pode ser?
-Sim, claro. A matéria é para quantos portais?
-Três e mais uma nota pro Link, caderno de tecnologia.
-Ok, até amanhã.

Depois de atender a secretária, Jair tomou o último gole de café, pegou o casaco e saiu triste pela porta da agência de notícias. Faltava-lhe algo. Alguma coisa que não atendia por nome de saideira, x-burguer do bar do Athaíde, ou doses de Engov. Era ela. Joice, dos lábios carnudos, do vestido preto de costas nuas e sombra escura nos olhos verdes. Ele, como ela, também tinha um pseudônimo que usava nas horas vagas. Só que o dele, ao contrário do dela, não dava lucro. Servia para assinar as crônicas que escrevia e que nunca publicara por falta de coragem. Era sem dúvida, um jornalista frustrado.

Além da falta de talento literário, Jay teve o azar de se apaixonar pela prostituta mais cara da avenida Indianópolis. Joice, a morena que só atendia programa completo estava cansada do mesmo cliente que toda noite de serviço, pedia para que acariciasse os cabelos grisalhos e dormisse de conchinha. A transa de três vezes por semana agora era apenas uma. Não porque Jair estava zerado, mas porque Joice tinha pressa. Não fazia mais questão dos 500 reais de lucro que lhe rendia aquele encontro.

Depois da primeira gozada, a jovem de 19 anos descia a saia, arrumava o decote e despedia-se. Estava insatisfeita, aflita e começando a gostar do paulistano quarentão. Por isso, após quitar as contas da última quinzena, decidiu não se culpar pelo que sentia e atendeu os telefonemas de Jair, que até então, passava as noites numa tarefa sexual solitária.

Voltaram a se ver. Desta vez, na casa dela. Na sala, onde havia um sofá, uma estante e a tv, Jair lia para Joice suas tentativas de romantismo. A maioria deles terminavam com a idéia de que o amor pode ser tão impossível como o relacionamento deles. Ela dormiu. Ele de novo, apelou para a tarefa sexual. Não queria acordá-la, tinha a sensação de que desta vez, Joice era finalmente sua.

Pediu ela em namoro. Ela disse que sim, e começou a economizar para comprar um guarda - roupa. Ele, bem mais econômico que ela ,levava marmita para redação e tomou a decisão de, até pagar o apartamento, não passar mais no bar do Athaíde. Jair liquidou as parcelas do imóvel. Ela fez outra prestação, agora, de um fogão. Tinha projetos de vida de não mais literalmente, “dar pra viver”.

Mas naquela noite de maio, meio fria, lá no apartamento de Jair, Joice fazia as malas. Jair abriu a porta e, quando viu, ficou estático. Ela o olhou, ressentiu, fechou o zíper da bolsa e disse: obrigada, mas preciso de mais espaço para minha vida. Joice não quis contatos intensos, por isso, ao sair, beijou-lhe o rosto e deixou a impressão de ser como muitas delas; estritamente profissionais.