domingo, 16 de outubro de 2011

Quanto dura o amor?

Acreditar no silêncio nem sempre é o melhor

Ela não quer lembrar do passado. Vive uma espécie de anestesia de libido. Não consegue encontrar nenhum homem interessante tanto quanto o ex. Por mais que as ofertas de carinho e atenção dos meio-amigos que ainda não se relacionou sejam tentadoras, não encontrava nelas uma essência, nem ao menos parecida, como a do estudante de engenharia.

Gosta de caras mais velhos que ela. Que curtam o mesmo estilo de rock, que tenha a mesma opinião sobre a falta de comprometimento do ser humano em acreditar no outro, e que acredite em relacionamentos livre e sólidos. Para a sorte dela, freqüenta circulos sociais com pessoas do mesmo perfil e até homens mais charmosos que o anterior. Embora ainda não se dispôs a estudar as personalidades e ver se realmente vale a pena encarar outra aventura.

Sente-se confiante quanto a sí mesma, passa batom antes de sair de casa, não esquece do rímel e trocou o pão branco por pão de centeio na maioria das refeições. Quer reeducar a alimentação para se sentir mais leve, ao passo que o coração ainda pesa com a partida de quem mais amava. Reclama que é difícil reconstruir os alicerces das emoções.

E como direcionar a atenção para as novas oportunidades?Amaranta tem noção de que nenhum amor apaga o outro. Não se substitui sentimento por alguém, tão facilmente como se troca a carne vermelha pelo frango cozido no almoço de dieta. Aliás, nada substitui nada.

Acredita que a disciplina, a mesma que a ajudou a jogar fora o excesso de peso, possa aperfeiçoar os próximos conflitos em que a testosterona seja relevante para emanar relações duradouras. Pretende submeter os anseios da alma a algo que ela realmente necessite; outra pessoa tão humilde, generosa, cética, metódica, e atraente quanto Aureliano.





A ainda o ama, mas achou melhor deixá-lo ir. Acredita que uma decisão racional no meio do caminho lúdico e apaixonante que criara com ele, por mais que rasgasse o seu ego de ponta a ponta, não deixaria marcas amargas no futuro.

Se ela persistir em pensar assim, só restarão as lembranças boas. Do sorvete tomado a dois, das discussões saudáveis sobre o ciúmes sem propósito, dos elogios que recebera na razão mais catastrófica da auto-estima, dos abraços inesperados de algumas manhãs, das mãos leves, ora pesadas, que passavam pela nuca e chegavam deliciosamente devagar até as coxas, do fulgor do sorriso, do beijo com gosto de café e nicotina, e mais ainda do sussurro no ouvido que a levava a “virar os olhos” de tanta volúpia.

Na maioria das noites, antes de dormir, questiona-se até quanto esse afeto machucado e em forma de amor, vai demorar para ir embora. Quanto vai durar a saudade que desatina os reflexos de concentração, e aliena seu coração a historia constituída a dele, que nasceu durante aquele simpósio de arquitetura onde se conheceram.

Pensa, sempre que pode, se hoje este silêncio faz parte do acordo que fizeram antes. Quando melhores oportunidades de amor aparecessem, cada um diria ao outro, naturalmente. Há meses, Amaranta espera saber até onde deve alimentar o que se tornou ultimamente uma quimera.

sábado, 8 de outubro de 2011

Meu pai te liga mais tarde

Você, ele, e a filha da sua idade






Numa dessas quintas-feiras à noite, depois das reuniões estressantes e do congresso do sindicato de uma certa categoria despreocupada em formar educadores de trânsito conscientes, lembrei de ligar para quem faz a minha vida um pouco mais doce.


Queria ter alguém para descarregar e opinar, delicadamente, sobre a enxurrada de excessos de formalidades que vão me atingir, logo logo, como o último tsunami que marcou o Japão em março. O meu está previsto para dezembro. Mas até lá é preciso compartilhar tudo isso com alguém. E este alguém, é ele.


Como disse Ivan Martins na coluna dele esta semana, é necessário ter alguém para quem ligar quando estamos aflitos, tristes ou perdidos. É numa dessas que descobrimos se a pessoa com quem estamos não quer só a sua pele e algo mais.


Então, desesperadamente, liguei. A garota de 20 anos, morena clara e olhos verdes de fazer qualquer marmanjo fibrilar de tesão, a filha do namorado, atende e diz que ele vai me ligar mais tarde.


Não muito diferente como das outras vezes, entendi. Mas desta, refleti sobre o que ouço desde que resolvi dizer para todo mundo que estou com um cara 15 anos mais velho que eu e o melhor, tem aparência de um garoto de 18.


O que eu estava precisando mesmo naquela noite era dos conselhos em voz grossa, que só ele poderia me dar. E deu. Dizia, ora com a maior calma, ora tão sucinto e objetivo como um capricorniano, que tudo aquilo ia passar e que a situação ia me fazer amadurecer de alguma forma.


Felizmente, para o bem da confirmação da consciência, o gosto ruim vem de todos os lados. A começar, de dentro de casa mesmo. Dizer que você pode curtir sem medo, mas que a longo prazo virá uma carga enorme sobre seus projetos particulares e que poderá te prejudicar.


Daí, é você mesma quem decide se reflete sobre o fatídico “Eu sabia que isso ia acontecer”, frase da sua mãe que te ama, mas que não te deixa tomar decisões pontuais sem antes ferver suas emoções num caldeirão de interrogatórios.


Sem contar os exemplos de relacionamentos de parentes, tios de amigos e vizinho da sogra. Todos, sem exceção, terão uma sugestão arrebatadora. Inclusive aquela de ‘cai fora antes que engravide’, se individe, e que fique com ciúmes da filha dele que é tão bonita e inteligente quanto você.


Delicioso é ter a presença de alguém mais maduro e ainda não aparentar a idade que tem. O desafio é aceitar que, por incontáveis situações de meras razões indiscutíveis, você não será a prioridade. E isso não vai acontecer porque não é importante, mas por que teve alguém que já está lá há 20 anos e que não vai deixar de ser a filha, nem por uma discussão feia sequer sobre a toalha molhada em cima da cama.


Difícil é, naturalmente, ter que dividi-lo. Cabe a mim, que chegou na vida de Renan 22 anos depois, depois da copa de 2010, do centenário do Corinthians (time que ele torce), do primeiro dia de escola da filha, da primeira nota vermelha e do primeiro dente de leite, conviver com o percalço de ser tão especial, mas depois dela.

domingo, 26 de junho de 2011

Um olhar que não atravesse

Por que Mariana gostaria da ausência dele? Das ligações não retornadas e das mensagens não respondidas naquele domingo cinza prestes a acabar.
Na cama, procurava sintonizar a programação da TV com algo que tivesse a ver com o seu coração. É como se diferentemente de todos os outros relacionamentos semi-completos que tivera, ela dessa vez optasse por se entregar aos clichês de uma vida a dois.

Vestiu a blusa "gola v"- aquela que demarcava muito bem seu colo de pele clara e delicada-, colocou o pingente dado pelo ex, combinou a cor da carteira de mão com o peep-toe rosachá e prendeu os cabelos de uma forma que fizesse alguém descobrir se ela estava séria ou insinuando desejo por meio do olhar.

Ao sair pela Alameda tomou para si uma dose de coragem pra chegar ao seu destino que, segundo ela, eram as mãos macias de Renan. Seus passos bem sincronizados transmitiam uma segurança ao mesmo tempo precoce, e despertava a libido dos mais providos de testosterona por onde passava.

Mariana estava na catraca ouvindo "Iris" a espera do rapaz que um dia a prometeu uma viagem à Alemanha para que ela o ensinasse a falar o idioma daquele país. Sonhava com os filhos que provavelmente não teria ao lado dele, pois, como o acredita ser, não cria raízes em nenhum deleite feminino.

Uma hora se passou até que as bolhas de seus pés sufocados de decepção pediram à Mariana que mais uma vez pensasse melhor antes de sentir afeto por um mero desconhecido.

Naquele começo de noite, a moça dos cabelos longos, castanhos e claros, só conseguiu ganhar olhares atravessados de tesão pelo seu corpo quase intocável. Deixou para trás, ali na catraca do metrô, o ponto de partida para adormecer o âmago e despertar o ceticismo da alma.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Pretérito imperfeito

Os olhos, naquela noite chuvosa, não fitavam nada além da TV de plasma. Zeca Camargo, de certo, entrevistava Cindy Lauper para o Fantástico. E ele, infelizmente- depois de um domingo de trabalho mediocremente sucedido na barraca de eletrônicos que montara na rua da feira-, estava compassivo, soturno e lúgubre esperando a padaria fechar.

Enquanto isso não acontecia, pensava em encontrar esporadicamente o seu amigo eletricista, ou o dono da loja de parafusos ou ainda, quem sabe, o Juarez, chaveiro baixinho com quem já dividiu a conta do boteco do bairro.

Estava ali, imóvel. No desejo de saber da vida de algum deles, de comentar sobre o futebol de quarta-feira e à espera que a solidão fosse embora. Acompanhado do jornalista global, da vitamina de mamão e do misto quente, Vitório- jovem de 28 anos, esguio como os homens de descendência espanhola de sua família-, passava as mãos pelos cabelos escorridos enquanto se via numa espécie de inércia da própria alma.

Então sua mente vagava pelo que fora um dia. A bolsa de valores, por incrível que pareça, já lhe rendeu alguns bons trocados como analista de finanças antes de precisar vender controles remotos e pilhas.O curso de inglês, ah, o curso, claro! Lhe trouxe Orlanda, garota deslumbrante, ora evasiva, ora contemplativa e também magra como ele.

Conheceram-se na aula de speaking. Aprenderam juntos a usar o pretérito imperfeito que perdurou até o futuro dos dois, tão incerto quanto o que viviam. Ele escrevia cartas de amor em inglês, para ver se assim não perdia a prática do clichê. Patinavam no Ibirapuera nas tardes de outono e disputavam a maior parte do pudim depois do banho.

Aos 20, tinha a certeza mais duvidosa da face da terra que queria a geminiana e morena clara dos cabelos vermelhos e curtos, como a mulher que passaria suas camisas de microfibra ,faria o jantar e gostasse dele mesmo depois ser demitido da Bovespa. Noivaram por engano de Vitório e imprecisão de Orlanda.

E foi só isso. Não chegaram a dividir a conta de luz nem escolher o piso da cozinha juntos. Ela o deixou depois de alegar que precisava pensar mais nela do que nos dois. Colocou a frente do amor um câncer de útero o qual não queria que Vitório participasse das angústias e observasse trépido as agulhas de tratamento.

A garota ( hoje quase ex-mulher) vinda de Santos criou uma barreira de desilusão e incerteza em Vitório a qual ele até hoje está inapto a enxergar a sua própria felicidade.
O morador do Bexiga continuou vivendo com a mãe e de vez em quando, namora garotas mais novas que ele.

Vitório não parece um homem. Não soube deixar escorrer pelo ralo o sentimento unilateral e nem encarar as novas mulheres como oportunidades. Em seus olhos enxergam-se fossas e lágrimas contidas por não poder desabafar nem com o copeiro.

Encontrava-se vazio. Tão diferente quanto a alegria que a camiseta amarela que vestia transmitia naquela noite. Vitório estava perdido nas lembranças de Orlanda e sem coragem de voltar para casa. Num ultimo suspiro vindo do âmago, tomou coragem para terminar a vitamina e se dar conta de que vive ainda como nas aulas de inglês: se esforçando para compreender as inconstâncias de Orlanda nos verbos do passado.