quarta-feira, 18 de abril de 2012

Por um caminho de dor

Ela viu a felicidade voltar


"Só me separo do seu pai quando ele morrer". Essas foram as ultimas palavras de Érica ao primogênito antes que ele pegasse no sono. As mesmas que o repetiu naquela reunião religiosa.



Ao arrumar o pequeno Gabriel entre as cobertas azuis e grossas prontas para o inverno, a senhora dos olhos verdes feito duas esmeraldas elevava o pensamento para aquilo que a mulher misteriosa lhe disse.



Dos cabelos longos e lisos e com uma postura recatada, da qual não admitia para si decotes protuberantes, Verana disse à Érica por intermédio de uma força divina que a felicidade verdadeira voltaria a sua vida nem que fosse por um caminho de morte.




Naquela noite a mulher de olhos claros contemplava em sua mente as cenas que retratavam aquele momento em que ouvira mais que um provérbio ou lição de vida. Deparava-se então com um mistério do próprio destino. Mas antes que isso virasse paranoia, virou de lado e pegou no sono.

                             http://renataalmeiida.blogspot.com.br/2010/10/mulher-misteriosa.html


Suas intuição, planos e anseios terrenos não encontravam ligação com aquele caminho dito e traçado pela jovem misteriosa e reservada. Por Erica mesma, reencontrar Eduardo e viver o resto daquela historia da adolescência seria meramente representativo nas profundas memórias do território que ninguém pisa.



Por mais que as circunstâncias sórdidas e as indiferenças cercassem a vida de Érica e Agenor, ela estava primeiramente comprometida com o resígnio da razão em prol da estabilidade de um casamento. Fora com ele que batalhou para comprar a primeira casa própria e o enxoval de Gabriel, há oito anos.


Não pensava em perder o grisalho dos cabelos ralos. Não queixava de falta de carinho como muitas mulheres mal amadas. Encontrava branda e semi-completa em seus sentimentos. Embora ainda aos 18 fizera o contrato matrimonial por puro partidarismo e interesses de família.

Por longas noites, quando as setas do relógio apontavam a hora nona após a meia noite, ela, sob os edredons, alisava os cabelos ralos de Agenor e lembrara do que viveu com Eduardo, aos 13. O primeiro beijo no parque, as “brincadeiras da garrafa” que incitariam as pseudos verdades e mentiras ,e o sorvete que degustaram a dois foram frações do passado que voltavam ainda mais vivas no pensamento da madrugada.



Com Eduardo era completa a entrega à felicidade. Embora ainda juvenil não fosse tão madura para tomar decisões que valessem pelo menos meio século de vida, os 18 anos dele poderiam transparecer responsabilidade o bastante para pedi-la em casamento.


Entretanto, com muito desânimo e pessimismo, os pais a proibiram de granjear pela genuinidade do que sentia por Eduardo de porte robusto , olhos grandes e falar sonolenta.

 Foram proibidos de se verem. Ela se mudou para o Rio Grande de Sul enquanto ele respirava em terras paulistanas por todo esse tempo. Guardou solenemente na alma as promessas de Eduardo de que voltariam a se ver. Não pelo empenho e insistência dele, mas por um ato de coragem em acreditar que isso deixaria de ser irrealizável.





Debruçada em Agenor já partindo com seus 46 anos, lamentava-se confusamente na esperança de encontrar acalanto de alma. Antes que se definhasse em vida, trancou as últimas portas novas depois da reforma da casa em que vivera com Agenor e voltou a morar onde abrigou-se na juventude. 
http://www.photoshoptotal.com.br/papel-de-parede/23551/casal_de_meia_idade


Corria desesperadamente em busca de uma nova fase. Já em São Paulo, alguns anos após o luto, na festa de aniversário de um sobrinho de um primo distante, ela depara-se com aquele que a prometera uma parte de amor que lhe restara.


Em um casarão de herança dos pais de Eduardo, o grisalho, vivem com ele hoje, ela e o filho. Aquele que resistiu a distância, e o tempo lúgubre que marcou o coração da descendente de alemães e italianos, chamava-se mais que amor.

 Era uma afeição estreme a qual não pudera acreditar. E o que a mulher religiosa dissera tornava-se então a realidade. A felicidade completa entrou pelo caminho de morte para validar o cumprimento de uma promessa.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O doce amargo de Mara

Ainda na adolescência, enquanto imaginava o que seriam carícias e passeios no parque de mãos dadas com um garoto, Mara auxiliava sua mãe a produzir as compotas de guloseimas que eram vendidas de porta em porta pelas ruas da Vila Independência.


As especialidades manufaturadas de mão em mão traziam cada uma um gosto único de esperança, ansiedade e expectativa de um grande amor misturados aos sabores de geleia de mamão, figo e as tortas de limão. Em particular, as tortinhas de fruta açucaradas continham além do açúcar, a rispidez e amargura das frustrações românticas de Mara.




Foi durante a fase das revoltas e reflexões continuas sobre as relações humanas que internalizava a falta de uma companhia para chamar de seu. Não obtinha êxito nisso por culpa do complexo de inferioridade que a deixava cada vez mais crescer para baixo.

Duvidou por muitos anos que poderia atrair para si os olhares cobiçadores. Não possuía qualquer tipo de libido aflorada na pele, olhar ou por simples gesto. A auto estima dormia penosamente no lago da negatividade e na falta de fé para consigo mesma.





 Via-se incapaz de projetar a própria feminilidade, pois durante a adolescência não enquadravam sua beleza interior nas compotas padronizadas de garotas com manequim 38. Daquelas com cabelos longos e mechas californianas e que nunca usaram uma vassoura ou bucha de lavar louça. As garotas dessa geração viviam como bonecas; o oposto de Mara.


Após uma súbita e truculenta transformação de embalagem e conteúdo, resolveu afirmar-se equilibrada no mercado do afeto e das transparências. Diminuiu o numero das calças e passou a se amar um pouco mais. Preocupou-se em cultivar a autoconfiança e interiorizá-la.


Lia constantemente, frequentava a academia, conseguiu um diploma, temia rugas,evitava massas à noite e não dispensava a escova progressiva. Era exponencialmente articulada, porém demasiadamente medrosa. Assim vivia. Alternando rotas para alcançar objetivos profissionais e sem esquecer da família. O coração, mais uma vez, seria o último plano.




 Conhecera um rapaz maduro no simpósio de outono. Assimilaram gostos, talentos, ódio e as próprias vidas. A troca intensa de percepções e rascunhos de compromisso anexaram-se ao projeto de vida de cada um. Apesar disso, foi indeferido pelo juiz das almas o qual não concedeu a eles a liminar do amor longânime.


Mara morreu. Por dentro. Humanizou-se na solidão mais gelada do que as manhãs da estação que enfrentava. Superou, com a ajuda da medida da duração das coisas, a ideia que uma parte sua não deixaria de ser somente história.
 


 
Procurou um segundo curso de fotografia. Começou a pós em mercado e não tinha tempo de perguntar o que os seus sentimentos queriam. E foi numa dessas que deixou escapar seus contatos mas mãos de um amigo. Ele de uma caridade tamanha passou para um outro na tentativa de casar o ceticismo de Mara com a carência de João Pedro.
 
 

 
A moça, na tarde de terça, atendeu um telefonema após ter trocado o primeiro email com ele. Criou-se a expectativa genuína de que poderiam ser o mais breve possível. Mesmo na era das redes sociais não se adicionaram no Facebook. Optaram pelo cortejo à moda antiga. Mara só ouvia falar dele e vice e versa. Ela tomou a atitude nãos menos feminina de chama-lo para sair. Ele topou. Mas no dia nem ligaria para desmarcar. E Mara soube porque teimou com ela mesma e ligou para confirmar.

João Pedro, sem querer ceifou as esperanças dela. A imaturidade de um jovem de 32 (pasmem) culminou na desafeição de algo que nem tinha começado. Amargurou-se por detrás da doçura que transparecia. Pensava como foi vitima da expectativa leviana de acreditar num bom encontro.

http://50anosdefilmes.com.br/2008/a-testemunha-witness/




Pediu perdão ao caráter por ser otimista demais e para o coração, por ser precipitada. E por suas historias não serem concretas até hoje, Mara não arrepende-se do calculismo ao tratar das sementes que germinariam um tal de sentimento.Ela não pretende mais conhecer João Pedro. As interrogações prévias tomaram conta dos conceitos dela.

Quando do coração só restar o moído, ele concederá o que tanto desejou sendo novo. Que pudesse ser preenchido com as boas percepções sobre um romance sólido. Ainda que tardio, os átrios e ventrículos palpitam no mesmo compasso de confiança.