quarta-feira, 4 de abril de 2012

O doce amargo de Mara

Ainda na adolescência, enquanto imaginava o que seriam carícias e passeios no parque de mãos dadas com um garoto, Mara auxiliava sua mãe a produzir as compotas de guloseimas que eram vendidas de porta em porta pelas ruas da Vila Independência.


As especialidades manufaturadas de mão em mão traziam cada uma um gosto único de esperança, ansiedade e expectativa de um grande amor misturados aos sabores de geleia de mamão, figo e as tortas de limão. Em particular, as tortinhas de fruta açucaradas continham além do açúcar, a rispidez e amargura das frustrações românticas de Mara.




Foi durante a fase das revoltas e reflexões continuas sobre as relações humanas que internalizava a falta de uma companhia para chamar de seu. Não obtinha êxito nisso por culpa do complexo de inferioridade que a deixava cada vez mais crescer para baixo.

Duvidou por muitos anos que poderia atrair para si os olhares cobiçadores. Não possuía qualquer tipo de libido aflorada na pele, olhar ou por simples gesto. A auto estima dormia penosamente no lago da negatividade e na falta de fé para consigo mesma.





 Via-se incapaz de projetar a própria feminilidade, pois durante a adolescência não enquadravam sua beleza interior nas compotas padronizadas de garotas com manequim 38. Daquelas com cabelos longos e mechas californianas e que nunca usaram uma vassoura ou bucha de lavar louça. As garotas dessa geração viviam como bonecas; o oposto de Mara.


Após uma súbita e truculenta transformação de embalagem e conteúdo, resolveu afirmar-se equilibrada no mercado do afeto e das transparências. Diminuiu o numero das calças e passou a se amar um pouco mais. Preocupou-se em cultivar a autoconfiança e interiorizá-la.


Lia constantemente, frequentava a academia, conseguiu um diploma, temia rugas,evitava massas à noite e não dispensava a escova progressiva. Era exponencialmente articulada, porém demasiadamente medrosa. Assim vivia. Alternando rotas para alcançar objetivos profissionais e sem esquecer da família. O coração, mais uma vez, seria o último plano.




 Conhecera um rapaz maduro no simpósio de outono. Assimilaram gostos, talentos, ódio e as próprias vidas. A troca intensa de percepções e rascunhos de compromisso anexaram-se ao projeto de vida de cada um. Apesar disso, foi indeferido pelo juiz das almas o qual não concedeu a eles a liminar do amor longânime.


Mara morreu. Por dentro. Humanizou-se na solidão mais gelada do que as manhãs da estação que enfrentava. Superou, com a ajuda da medida da duração das coisas, a ideia que uma parte sua não deixaria de ser somente história.
 


 
Procurou um segundo curso de fotografia. Começou a pós em mercado e não tinha tempo de perguntar o que os seus sentimentos queriam. E foi numa dessas que deixou escapar seus contatos mas mãos de um amigo. Ele de uma caridade tamanha passou para um outro na tentativa de casar o ceticismo de Mara com a carência de João Pedro.
 
 

 
A moça, na tarde de terça, atendeu um telefonema após ter trocado o primeiro email com ele. Criou-se a expectativa genuína de que poderiam ser o mais breve possível. Mesmo na era das redes sociais não se adicionaram no Facebook. Optaram pelo cortejo à moda antiga. Mara só ouvia falar dele e vice e versa. Ela tomou a atitude nãos menos feminina de chama-lo para sair. Ele topou. Mas no dia nem ligaria para desmarcar. E Mara soube porque teimou com ela mesma e ligou para confirmar.

João Pedro, sem querer ceifou as esperanças dela. A imaturidade de um jovem de 32 (pasmem) culminou na desafeição de algo que nem tinha começado. Amargurou-se por detrás da doçura que transparecia. Pensava como foi vitima da expectativa leviana de acreditar num bom encontro.

http://50anosdefilmes.com.br/2008/a-testemunha-witness/




Pediu perdão ao caráter por ser otimista demais e para o coração, por ser precipitada. E por suas historias não serem concretas até hoje, Mara não arrepende-se do calculismo ao tratar das sementes que germinariam um tal de sentimento.Ela não pretende mais conhecer João Pedro. As interrogações prévias tomaram conta dos conceitos dela.

Quando do coração só restar o moído, ele concederá o que tanto desejou sendo novo. Que pudesse ser preenchido com as boas percepções sobre um romance sólido. Ainda que tardio, os átrios e ventrículos palpitam no mesmo compasso de confiança.


 

Um comentário:

Adriana Otero disse...

Conheço pessoas dos dois tipos. a principio me identifiquei com a mara, mas no decorrer do texto vi que fui menos radical comigo mesma.

Bjs Ind.