quarta-feira, 23 de maio de 2012

A festa que à prometeu

não passou de sandices da memória dela



Aconteceu depois de um ano, logo depois que deixaram de se ver. Enquanto carícias e contas a pagar fizeram parte do cotidiano do casal, os sonhos particulares de Larissa não deixaram de ser somente dela.


Mood, Smiley, Sun, Woman, Celebrity, Blond


Gostaria muito de ganhar uma festa surpresa de aniversário. Daquelas que mesmo que a intuição feminina desconfie dos preparativos, o surto das emoções faz jorrar diques de lágrimas dos olhos de uma moça.


Entretanto não poderia esperar com tanta fé que isso viria do namorado. Luciano não era do time dos amantes boêmios. Daqueles que encheria de flores o quarto de Larissa e o celular de mensagens libidinosas e apaixonantes.


Isso também fazia parte. Mas nem sempre, porque ele era do tipo paizão. Com quase quatro décadas de vida, aconselhava a jovem de 20 sobre a escolha da faculdade e que tipo de roupa seria legal que Larissa vestisse para o jantar de outono.

De uma passividade enorme, Luciano ouvia Larissa ao telefone por longas horas e esperava ela ter a consciência dos próprios erros e atos, sem que precisasse proferir sermões e provérbios causticantes. E ela gostava disso.


Ainda assim, Luciano empenhou-se em preparar os mínimos detalhes. Escreveu à mão- e com a letra mais pedagógica possível- os bilhetinhos com mensagens que serviriam de pista para que Larissa chegasse à sala repleta de convidados, copos descartáveis cor de rosa e bexigas de coração. 



Fez cartazes líricos e artesanais com fotos de Larissa quando bebê, aos 9, aos 13 e agora. Convidou a família mais próxima e até os amigos da pós -graduação que cursaram juntos. Os olhos de Larissa, marejados pelo hápice da emoção, transmitiam a satisfação em ter sonho realizado.




O cenário lúdico trazia a sensação completa de que Luciano, após um ano distante, teria se transformado no cara perfeito. Que além de mais maduro e bom de cama, seria sensível a realizar as vontades intimas da jovem loira de pernas grossas.




E as únicas verdades da história de Larissa eram o desejo da surpresa e a serenidade de Luciano. Por que a festa que à prometeu não passou de mais uma alucinação pela madrugada fria. Acordou, como muitas vezes durante o ano, com aquela vontade de voltar para o mesmo sonho e olhá-lo mais uma vez.



terça-feira, 15 de maio de 2012

Adele para poucos

essência da letra mostra outra face da cantora
Dona de oito Grammy Awards e capaz de liderar o ranking das rádios britânicas e até nacionais,  a jovem Adele Adkins consegue transmitir os gritos da alma através de uma voz vigorosa.
O timbre ostensivo parece carregar uma parte do legado musical da finada Amy Whinehouse, pois elas alcançam juntas os tons absolutamente fortes e extensos do blues. A voz de Adele rompe as barreiras de um som romântico e pretende aferir e ostentar as faces amargas dos personagens que passaram pela sua vida.
 “Set fire to the rain” fala de um relacionamento  de um casal com meias verdades, bem presente nas  relações atuais. No caso ele a ludibria com gestos cordiais de um cavalheiro. Pode ter sido ao abrir a porta do carro por muitas vezes; à presentea-la  com perfumes e chocolates finos, mas em nenhum momento compareceu com a sinceridade de levar aquele caso tão a sério a ponto de juntar as escovas de dente, por exemplo.




Ela por outro lado, diz que deixou o coração cair na mão dele. Deve ter depositado boa parte das esperanças no que se chama de cumplicidade recíproca. Ou até mesmo de amor. E foi dolorido ao ver que as tentativas naufragaram quando nos olhos dele não havia sequer uma nuance de verdade.
A britânica deve ter chorado às tantas para escrever uma canção que pudesse dizer com rancores sutis o desprezo que habitou sua alma. E teve mais coragem ainda de atribuir acordes aos espectros dos romances anteriores e materializa-los em forma música.
Atear fogo à chuva significa, metaforicamente, que num surto de impaciência ela apagou a suposta segunda chance ao moço que estava lá na chuva, de rosto molhado.
O passado então virou cinzas na memória. Afinal como ela diz, ele está a espera de outra e ela não tem mais tempo para colocar fogo em brasas já queimadas no coração.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Um olhar de longe


Só espiar vale a pena

Pela rede social Yonara espia a vida de Breno desde que terminaram há sete meses. Mesmo que a fase de fossa espiritual tenha passado- aquela em que comida tem gosto de papel e tudo no mundo é cinza e sem graça- gostava de se imaginar numa segunda chance criada por ela mesma.



Acessa todos os dias na tentativa de achar um status de relacionamento diferente, uma foto recente ou se ele já está com outra. Nada encontrou a não ser comentários levianos sobre o trânsito que ele enfrentava de moto entre as avenidas Cruzeiro do Sul e Teotônio Vilela.



Recordava-se dos momentos sofridos que ele já viveu. Tentava os transcorrer para o papel em forma de contos como se publicá-lo superaria o compadecimento que sentia. Não faria mais nada além disso. Conhecia seus instintos e sabia que se fosse atrás de Breno se machucaria duas vezes mais.




Não colocaria no perfil da rede social algo relacionado ao passado com ele. Atirar indiretas não fazia parte dos seus meros princípios sobre rolos, cachos e meio-relacionamentos não bem resolvidos.



Prefere um olhar de longe. Usufrui do anonimato que a internet lhe dá, pois não era capaz de encara-lo ou mandar mensagens sem ressuscitar as finadas vontades de tê-lo de volta. Para ela, espiar era imensuravelmente uma delícia.



Assim, diante da carência e ansiedade, não precisaria atacar o chocolate.E então a seretonina do amor seria liberada sem culpa porque mais ninguém a não ser Yonara poderia saber que o assistia passiva e sorrateiramente atrás da tela de LCD.







quarta-feira, 2 de maio de 2012

Congressos da minha vida

A rotina de quem não tem tempo para amar

Não se passam quatro meses sem que Maria Fernanda confirme a participação em workshops de hotelaria e gastronomia. Trabalha com isso. Vive, suplanta e paga as contas com criação de novos pratos e maneiras diferentes de arrumar a cama.





É paulistana nata e atarefada, daquelas que se tem que marcar horário para dar bom dia. Não desgruda dos relatórios de treinamentos e do tablet parcelado no cartão. Gerencia a vida por meio do toque na LCD.

Regra-se na alimentação. Até demais. Elimina mais da metade dos pães e bolos do próprio cardápio. Farinha? Só integral. Não toma leite porque descobriu através pesquisas científicas ultra confiáveis que isso a prejudica em excesso. E ela detesta exageros. Não bebe, não fuma e morre de medo de envelhecer gorda.




Não é estressada. Controla bem o turbilhão de hormônios com os seus amigos de soja; o tofu, o Ades e as carnes. Também tem um bom relacionamento com vegetais orgânicos. Sinceramente não sei como uma pessoa consegue viver feliz sendo tão cúmplice dos chás, frutas orgânicas e quinua.



Leva a filha mais nova ao ballet pela manhã. Frequenta as aulas de fitness antes de chegar ao restaurante vegetariano, outro empreendimento que abriu no centro da cidade depois que o marido saiu de casa. Não se sabe se foi ele que quis ou se ela o colocou para fora. Foi esperta. Antes que pensassem que o mundo dela caiu, iniciou o próprio negócio com a bagatela do divórcio.



De relacionamentos antigos e atuais, Maria Fernanda não cita. As portas se fecham sobre o assunto. Em dois anos nunca ouviram comentários a respeito das carências e desejos femininos.




Às vezes parece que a rotina não pode suportar nenhum segundo para pensar na solidão. Na maioria do tempo, busca esquecer a tristeza com a agenda lotada de problemas irrelevantes. Interessante é perceber que os congressos, palestras e reuniões que frequenta proporcionam a ela uma dádiva; não ter tempo de pensar nos fracassos nem nos amores mal resolvidos.