quarta-feira, 7 de março de 2012

A eutanásia de um afeto

Nós marcamos a data para desligar nossas dores

Atire a primeira pedra ou as resmas de um poema rasgado quem nunca se preocupou quando uma paixão bem resolvida termina pelas esquinas dos ressentimentos. Quando nos damos conta de que fizemos de tudo para algo se tornasse sólido e compensador, geralmente acontece no momento em que já decidimos cortar as raízes do comprometimento.




Não acredito na narrativa reciclada em que um sujeito prefere pular fora do barco por que tem medo de amar.  O risco que nossos sentimentos correm é de não serem correspondidos na mesma proporção e medida. Mas o que me alivia é pensar que tudo isso faz parte de uma busca de equilíbrio a qual ninguém consegue alcançar.

Muitas vezes por medo de ser amado, colocamos o ego como escudo de nossas mais preciosas sensações. Aquela conversa de que aquele namoro com o homem mais velho não daria certo por conta da diferença de idade, ou o casamento de longa data não suportaria as narrativas mal contadas ou os escorregões (traições), são, primordialmente, desculpas para não continuar acreditando no amor genuíno.






O puro resigno, portanto, deveria estar diante dos contratempos e intolerâncias. Mas para que isso seja possível, um dos dois necessita abster-se do próprio eu e de certa forma, admitir que amar é como andar de mãos dadas no escuro. Muitos tentam por meses, anos, décadas e não colheram resultados significativos. Percebem, enfim, que investiram sementes de perseverança em solo infértil.



Depois das sofridas auto-reflexões que incluem noites em claro, falta de fome e remorsos (por não ter dito o suficiente), homens e mulheres (tanto a menos jovem quanto a mais madura), por exemplo, atingem o conformismo do termino. Não preocupam-se mais em marcar conversas intermináveis e angustiantes e as lágrimas não escorrem visivelmente quando escutam “ué, mas não deu certo por quÊ?

E é ai que optamos por, superficialmente, sermos práticos e calculistas. Apagar o numero da agenda de telefone, rasgar o ex das fotos da festa de noivado-aquelas em que participaram como padrinhos- , cortar vínculos com os amigos e evitar o “leva e traz” das saudades sem volta. Isso me parece os primeiros socorros depois do tombo das emoções.


De repente ele ou ela desaparece da sua vida. E então primos e conhecidos são apresentados para essa nova pessoa ao seu lado. O sexo é deveras estimulante, os defeitos do companheiro não são percebidos logo de cara e a narrativa do casal ainda soa como divertida e ludibriante.

O que talvez -por necessidade do inconsciente – tramite lá dentro do tempo corrido e marcado de cheiro, gostos e percepções ,são as recordações do outro que respiram com a ajuda da esperança remota.

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É bem semelhante a eutanásia. Só está ligado ao sentimento enquanto se der vazão ao aparelho chamado lembrança. Entretanto, ao contrário da eutanásia, não jogamos fora de uma hora para outra os acontecimentos perfeitos e péssimos. Talvez isso seja uma dádiva.

E o mais doloroso é saber que assim como esse processo, nós é que escolhemos o dia da morte de cada figura do passado e até quando a saudade vai respirar (bem sufocada) lá dentro do coração.

Um comentário:

Moranguinho Max disse...

É como sempre na calada da noite que a vida da uma volta na gente, ou nós passamos a perna nas histórias já com pé na cova. Seu texto reflete o enfrentamento que muitos homens e mulheres encaram numa relação que não vingou ou melhor não deu frutos... mas independente do fim, da separação, as memórias de uma vida a dois dificilmente são esquecidas como ao apagar de uma lâmpada! Parabéns pela crônica.